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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

domingo, 29 de agosto de 2010

Frank Zappa, “nunca pirei tanto num cara”.


Ouvi Zappa pela primeira vez na TV. Nos poucos programas com videoclips de Rock do início dos anos 80 repetia aquele You Are What You Is em edição após edição. Aparecia um sósia do Ronal Reagan passando gomalina no cabelo e um homem com cabeça de alface sendo levado por uma multidão. Muito Bizarro. Ficavam caindo uns raios e uma fauna ensandecida do Tio Sam digitava sem rumo, enquanto o mestre de cerimônias e seu arquifiel escudeiro Ray White, em um estilo alternado, iam destilando as idéias. Zappa cantava a letra, que fala da estupidez do povo americano, enquanto Ray fazia aquela série de comentários cínicos e sarcásticos sobre o que se passa.


Uns tempos depois, um amigo pessoal, com quem a vida toda ouvi bastante música, me apareceu com o tal disco do cachorrinho, que ele disse ser muito maluco. Them Or Us me impressionou pela variedade. Tinha quase todo o tipo de música ali, e eu nunca tinha ouvido nada parecido. Tinha desde música estúpida e comercial, temas de Rock Progressivo, Hard Rock, longos solos de guitarra, experimentalismos, uma suite de balé, e algumas canções muito esquisitas. Em Frog With Dirty Little Lips, um contrabaixo fazendo slap contrastava com a voz grave de Zappa narrando a epopéia dos sapinhos, que cantavam felizes a alegria de ter labiozinhos sujos. Tinha uns barulhinhos agudos que davam a impressão de serem moscas e mosquitos sendo devorados. Que psicodelia!


Me impressionou muito essa audição, pela qualidade sonora do álbum, pela versão irada de Whipping Post do Allman Brothers, e uma canção em 5/4 com sons invertidos e um solo maluco … “Cara, eu nunca ouvi um solo assim, quem é esse guitarrista?”. O nome era Steve Vai. “Ih peraí, que tem uma música com o nome dele, Stevie's Spanking. O quê, o cara quer ser espancado?” Pois é, que outras surpresas me aguardavam nesse álbum? Tem a história do divórcio do caminhoneiro que tem que entregar o feijão e chora ouvindo música country (Truck Driver Divorce), tem o hino mundial dos dentistas (baby, Take Your Teeth Out), tem uma canção estilo Frank Sinatra que mostra o homem que pode destruir o mundo com remorso na hora de apertar o botão (The Planet of My Dreams) e uma espécie de comercial cínico mostrando os podres recursos que a TV usa pra controlar sua mente, prender sua atenção e fazê-lo comprar tudo o que é anunciado (Be In My Vídeo). Sensacional a participação de Johnny Guitar Watson em In France.


Aí muito tempo se passou. Um disco do Zappa foi lançado no Brasil logo depois do Demorãs, se não me engano o título era longo, Frank Zappa Meets The Mothers Of Prevention, com uma capa preta e letras garrafais em branco. A parte do disco com banda era legal e tudo o mais, mas o lado B do bolachão trazia um som que – mais uma vez – me espantou por eu nunca ter ouvido nada parecido – e olha que essa época – 1986 – eu já tinha ouvido bastante coisa. Me lembrou um pouco o Kraftwerk em uma primeira impressão, mas só em uma primeira mesmo. Era bem mais sofisticado. Ao invés da simplicidade das músicas do quarteto alemão, o compositor se utilizava de síncopas rítmicas, estranhas harmonias e muitos elementos percussívos, que se desdobravam aos borbotões, criando um clima bastante, como diria, curioso, engraçado, rico e irresistível. Fui levado a ouvir esses temas muitas vezes e descobri lendo a ficha técnica que aquilo ali era reproduzido por uma espécie de computador musical, em que bastava programar as notas em uma partitura digital, os sons, ritmo, enfim, tudo, que ele reproduzia. Livre de ensaiar bandas a exaustão, procurar músicos dispostos a se submeter às suas torturas de horas e horas de ensaio e gravação, o compositor se sentiu inspirado e produziu algumas das peças mais originais da história da música, e isso inclui tudo que vai da música pop até o erudito. Usando o Synclavier o gênio anteviu a era da digitalização total, porque aliás, fazer antes dos outros sempre foi sua marca. 


Dois anos adiante, eu tive minha primeira experiência de trabalho com a música, fui ser vendedor de discos em uma loja tipo bric de usados. Eu fui contratado, porque antes de ser balconista, eu era freguês de caderninho da Free Discos Usados. O preço do Lp novo sempre foi abusivo. Na Pop Som e na Discoteca não dáva pra comprar todas as novidades que saiam. Além do mais, tinha muita coisa fora de catálogo. Do Zappa mesmo só dois ou três álbums podiam ser encontrados nas grandes lojas de discos de Porto Alegre, que ficavam entre a Borges de Medeiros e a Galeria Chaves, na Rua da Praia. Já nos usados, se encontravam facilmente raridades.


Eu andava curtindo Beatles e as bandas de Rock do momento no Brasil, havia uma penca delas, quando fui trabalhar ali, no Viaduto Otávio Rocha. Bom, eu achava que eu já entendia bastante de discos e música, mas eu só achava. O Sérgio Sperk, dono da loja e seu assistente Hamilton Martins – o Zip como todos o chamavam – me ensinaram mais sobre música do que qualquer outra pessoa já havia me ensinado. As discografias, as histórias das bandas, Jazz, Blues e MPB, de tudo eu aprendi com eles. Isso em 1987, aí o Zappa voltou. O Zip manjava a discografia inteira (àquela altura já eram mais de 40 álbums), e tinha raridades das quais ele falava pra nós, eu e um curioso Sperk, descrevendo as loucuras e macetes que cercavam as obras.


Coincidentemente, por essa época, lançaram um disco do Zappa no Brasil, o Tinseltown Rebelion, e mais ou menos junto, pouco antes ou depois, uma reedição do Sheik Yerbouty, bolachões duplos em edições joiadas, com todas as letras, e remasterizadas digitalmente (ha há, isso parece até coisa de hoje em dia). Aí, com toda essa informação, eu pirei na do cara e, em alguns meses, eu praticamente decorei todas as letras dos dois álbuns, todos os detalhes, faixa por faixa, os solos de memória, as paradinhas, as melodias … E é por isso tudo que não dá pra escrever só um texto sobre o cara, porque eu ouvi e pirei nele demais.

Esse primeiro posto sobre o Zappa é dedicado ao meu amigo Marcelo Maddy Lee do blog "O Pântano Elétrico" que me incentivou a escrever o que me desse na telha sobre o malucão aí em cima. Valeu Maddyyyy!

9 comentários:

  1. look her brother,eu tava esperando por esse post,aquele dia que tu me deu um cd do zappa,na verdade,ofereceu,da no mesmo,eu começei a ouvi,e claro eu não conheço muito ainda de musica,mas acho que não só eu como todos que ouviram zappa,logo pensaram "eu nunca ouvi nada igual",um som divertido e curioso,uma certa falta de lucidez em algumas musicas,mas com certeza é isso TAMBÉM faz com que o ouvinte se interesse,com disse jorge luis gutierrez:"a lucidez crônica torna as pessoas mal-humoradas e rabugentas".
    até a proxima!

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  2. Beleza Andrei. Com certeza eu tenho muitas outras histórias com e sobre o Zappa pra escrever aqui. Lá no Pãntano elétrico tem um post enorme com textos meus e de outras pessoas sobre o cara. Valeu.

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  3. Faaaaaaaaaaaala, Mr. UnLaw-rence!
    Meu amigo, ver meu nome no mesmo texto que tem o nome do grande e genial Zappa, mesmo que numa dedicatória, foi demais pra mim - tive que botar o 'Freak Out!' pra rolar!! rsrsrsrs Até porque o nome faz jus à situação (freak out...) rsrsrs
    As postagens Zappeando no Domingão marcaram a história daquela birosca chamada O Pântano Elétrico, não só por homenagear o Mestre e disponibilizar todos aqueles discos pra download, mas principalmente porque pudemos compartilhar toda a doideira, também com o meu brother Diego Progshine (que upou a porra toda!!); mesmo que Zappa não seja assim muito a minha praia - bem, diria que é a minha montanha: Billy The Mountain!! rsrsrsrs
    Se toda aquela loucura serviu a um propósito maior, acho que esse meu propósito foi alcançado, porque quando botei a pilha pra você me mandar os textos, que eu curti bagarái, não pude deixar de tentar te empolgar a fazer o teu próprio blog pra nos contar o que se passa nessa cabeça dinossauro.
    PoiZé, taí teu blog, com todas essas histórias que vêm me surpreendendo e entretendo e divertido e tudo o mais.
    Então, caro amigo, é isso aí: valeu pela dedicatória e pela amizade improvável.
    Agora vou ficar aguardando a sua própria saga Zappeana.
    Aquele abraço!
    ML

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  4. Espírito de Porco tenho eu pra escrever certo por linhas tortas sobre o maluco e dedicar ao Mad (ddy) Lee (quidificador de idéias e palavras) um texto espontâneeo e diferente do que uma simples historinha xerox de tudo o que já se leu. Não sei se agrada a muita gente, but, como diria o mestre, "what the fuck?". Saga daqueles anos 88-89 onde fiz minha graduação em Zappa enquanto vendia discos. O pós eu fiz nos 90 e quando gravei minhas músicas parcialmente inspiradas nele e o doutorado foi baixando uma centena de piratas via net. Pretendo ir contando essas histórias aos poucos. A amizade in-provável é "in" e provou-se eficaz pelo efeito-blog!
    Valeu, amigão!

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  5. Aê Mr. Lawrence!
    Como dizia uma antiga pixação dos anos 80' aqui das ruas da paulicéia: "Zappa chappa!"
    É sempre legal ver um post do velho e saudoso mestre. Sou zappamaníaco desde o lançamento de Over-Nite Sensational, que conheci por acaso fuçando a discoteca da União Cultural Brasil EUA, na seqüência uma namorada me apresentou One Size Fits All e... BOING!!! Bateu, chapou e nunca mais passou. Hoje tenho quase tudo do mestre, e ainda ouço com o mesmo prazer dos velhos tempos, afinal Zappa sempre esteve a frente do seu tempo. Cara vc sabia que boa parte dos discos dele foram lançados no Brasil, inclusive alguns dos primeiros como Just Another Band Form L.A. e uma coletânea da Verve chamada Pregmant com faixas do Absolutaly Free e Freak Out, que aliás faz parte das raridades da minha coleção, pois tal disco só saiu no Brasil, pelo menos eu desconheço outra edição.

    Amo quase todos os trabalhos do Zappa, mas tem alguns que nem tanto. Pelo visto vc curte mais as coisas dos anos 80, já eu tenho entre os meus favoritos os dos anos 70: Just Another Band From L.A., Waka/Jawaka, The Grand Wazoo, Over-Nite Sensation, Apostrophe('), One Size Fits All, Bongo Fury, Zoot Allures, Zappa In New York, Sleep Dirt, Sheik Yerbouti e Joe's Garage. São os meus prediletos.

    Iiiiii cara é melhor eu parar de falar de Zappa agora, antes que ocupe todo o seu espaço com minhas ladainhas.

    Grande abraço e obrigado pela indicação!
    woody

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  6. Suuper Woody! Cara, grande prazer em recebê-lo aqui em minha humilde morada, he he he. Na verdade tu ias aparecer aqui mesmo em um texto meu. Em minha saga zappística, o fato de eu ter baixado toda a pirataria que tu postou sobre o cara em dezembro de 2007 (08?) acabaria aparecendo, ou melhor, vai pintar (aliás eu sei que tu tens outros que não foram lá, podia fazer um novo dezembro Zappa, hi hi hi ...).
    Pois é, meu camarada supra-citado, o Zip, também tinha as edições nacionais dos discos. Eu mesmo, quando tinha vinis cheguei a ter boa parte deles em versões nacionais originais, inclusive o Filmore East, Waka e Overnight.
    Bom, eu comecei pelos 80 porque foi a época em que eu conheci o hômi, mas eu também prefiro os setentões (e alguns sessentões como o o We're only, Lumpy e Uncle Meat) os quais pretendo comentar mais adiante.
    Cara, pode escrever o quanto quiser, sobre o que quiser, sem limites, "não se reprima", kkkkkk.
    Abrações!

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  7. Olá Lawrence,
    minha primeira visita ao seu blog atraído pela postagem do Zappa.O cara era mesmo genial, sua extensa obra comprova isso. Todo mundo sabe que ele desperta ódio e admiração.
    Sua formação erudita ampliou sua capacidade de traduzir suas loucuras em música...hehehe...O maestro Júlio Medaglia foi seu contemporâneo em uma escola de música na Alemanha.
    Zoot Allures (nome do modelo das calças usadas por Zappa e banda na capa do álbum) é um dos melhores, meu vinil original, comprado no ano do lançamento, após ler uma crítica sobre o mesmo em uma Play Boy, não furou por sorte.
    Poi é...foi legal conhecer aqui, voltarei mais vezes.
    Abraço.

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  8. Beleza Big Clash! Bem vindo a esta humilde morada. Pois é, eu escrevi apenas sobre um pedacinho de tudo o que eu já pirei na desse gênio (pouco ou nada conhecido no Brasil). Eu tive sorte de ter trabalhado em uma loja onde tinha um cara que manjava tudo e aí me iniciei. Acho que ele foi mais importante do que se imagina. os Beatles abriram as portas pra música pop nos 50 anos seguintes. O Zappa só vai ser descoberto daqui a cem anos quando a música for reinventada depois do fim dos tempos (kkkkkkk). O cara tava muito na frente. mas como é mesmo esse negócio das calças? Dizem as más línguas que ele aparece de pau duro na capa ...
    abraços.

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  9. Legal, muito bom texto e impressões musicais traduzidas em palavras.
    Bem...., eu sou um dos maiores estudiosos da obra do FZ e me senti bastante sintonizado com a sua experiência.
    Sou um colecionador do Zappa tenho todos os vinils,cds,videos,livros,fitas cassete, singles e mp3, posters, e ate uma foto autografada por ele com uma dedicatória assim - to celio fz
    para mim não tem nada dele que não tenha um valor. Desde os Mothers of Invention, passando pelos instrumentais, as bandas com fantásticos músicos, as vinhetas malucas, e os solos de guitarra infinitos.
    parabens!!!
    e visite meu blog que lá tem muito Zappa

    www.nadiamante2.blogspot.com

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