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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Hora H", ou O dia em que fui um Astro do Rock

Do ponto de vista do sucesso, onde eu cheguei mais perto em termos de público, foi com a Hora H. Pra começar, foi uma banda onde eu dei o meu sangue. Foram cerca de 200 apresentações em cinco anos de existência (1992-96). Ela foi os meus bailes da vida. Eu era responsável por escolher, preparar e passar aos outros músicos as canções que devíamos tocar. Isso era essencial pra a nossa produção ser bem-sucedida. Eu também marcava a hora nos estúdios para ensaiarmos com um baterista, fazia o contato com os donos de casas noturnas para combinar cachê, deslocamento e equipamentos.
Engraçado, esse grupo começou por acaso. Eu era o cantrabaixista do guitarrista Henrique Wilasco, o “Carlinhos”, hoje trabalhando na Dama da Noite. Eu o conhecera através de Ronaldo, que tocava bateria em minha banda de garagem, a Ópera Bufa. Ele gostou do meu som e disse que estava montando seu grupo onde ele seria a estrela da Guitarra virtuose. Era fã de Joe Satriani. Eu não tinha exatamente amor por aquilo mas foi uma grande experiência por poder trabalhar com musica unicamente instrumental, e coisas novas é o que eu procurava na época. Não tinha muito nourrau ainda, era verde.

Em termos de datas, a coisa ia de mal a pior. Depois de uma estreia mediana em um bar de classe alta em Porto Alegre, quase não tínhamos shows. E ainda tomamos um cano em um bar de porão em Canoas. Ainda bem que o Carlinhos apareceu com a idéia. “vamos ali em Esteio, eu conheço uns caras que tocam em uma galeria e eles pelo menos deixam a gente fazer um som, já estamos com os instrumentos e amplificadores no carro mesmo ...”. Encaramos. O lugar era a Galeria Center, bem no Centro. Estava hiperatrolhado. Acharam o nosso show legal. Nunca tinham visto, ali por aquelas bandas, um guitarrista que tocasse tão debulhantemente.
Um vocalista, baixinho, com um jeito e uma voz que lembravam Léo Jaime, um pouco mais velho que eu, esperou acabarmos e veio falar comigo. Era ele, Renato Durão. “Tchê, tu toca superbem, estou pensando em montar uma banda, não queres me acompanhar na semana que vem?”
Pô, se eu queria, estava louco pra trabalhar com música e ganhar alguma grana. Só que tinha um problema. Nosso chefe. O dono do lugar, que nos dava bebida e rango liberados queria uma banda inteira, e não um cantor com baixista. “Tu não consegues montar uma banda pra semana que vem?”, me perguntou o Durão. Loucura total, né? Da noite pro dia, criar um grupo, nada fácil. Tarefa para o super baixista cientista Lawrence David. Olha aqui, tive que ser pragmático. Meu camarada de infância, grande amigo e vizinho, colega de Ópera Bufa e outras indiadas mais, Alexandre Farina era a solução. Já vinha atuando na Coverboys, outra banda de covers com algum currículo na noite. O batera, Daniel Rosa, o Rosinha, faria as vezes de ritmista.
Corri como um louco aquela semana de outubro de 1991. Eu era meio pobre – desempregado, vagabundo – e não comprava discos havia séculos. Estava, portanto, bem desatualizado em termos de discografias. A ideia do Renato era um Pop Rock anos 80 – Cazuza, Legião, Barão Vermelho, Paralamas – todos fariam backing vocals e ainda haveria um repertório internacional em que apenas eu seria o cantor e ficaria como um segundo show, diferente e mais rockeiro. Finalmente eu seria um vocalista de destaque, coisa que já vinha ensaiando há tempos. Percorri o Menino Deus inteiro procurando Lps, daí gravei quatro cópias em fitas K7 com todas as músicas almejadas, distribuí para todos tirarem suas partes. Fiz cifras para todas as canções em xerox, compramos pastas com plásticos pra todos e conseguimos o estúdio do Ronaldo no bairro Assunção para nosso único ensaio da semana

Não foi muito difícil, na verdade. Minha ânsia por definir minha vida, em um momento onde eu havia empacado na faculdade (mais uma vez) me forçou prazeirosamente para aquilo. Sopa no mel. Na noite de estréia estava, como habitualmente, lotada a galeria. Mil figurinhas de todos os tipos, todas as tribos, mas principalmente jovens da noite de Esteio, Sapucaia e São Leopoldo, digitavam por ali. Nossa apresentação foi um delírio. Surgiu até, imediatamente, um fã clube que nos perseguia por onde quer que fôssemos. Acredito que aquele encontro musical foi um verdadeiro sucesso, pois a postura expressiva e correta de Renato, aliada à empolgação dos músicos por tocarem para uma plateia histérica e hipnotizada pelo volume dos instrumentos gerou, de fato, um som muito, muito legal.
Acho que permanecemos uns seis meses tocando ali. De banda da casa. Ganhando um cachê fixo que era de vinte e cinco dólares por noite, por músico, mais cerveja liberada e comida (controlada). Eventualmente tocamos sexta e sábado, mas era uma só vez por semana. Chegamos a tocar lá quinta-feira e no domingo também. É claro que pulamos as férias, onde não há movimento em cidade, só na praia – aliás a praia de 1992 foi realmente uma aventura, mas isso fica para uma outra história.

Aquela exposição toda ao Vale dos Sinos resultou em grandes extensões pra gente tocar. Fomos contratados, a partir desse ano como banda da casa de uma bar que ficava na Avenida Independência principal artéria da noite de São Leo. Nos rendeu muitas amizades, namoros, apresentações em vários estabelecimentos noturnos e até em outras cidades. Acompanhamos o sucesso do Manara, sua mudança para outro local maior, até sermos trairados em 1993, por supostos “amigos” a quem, inclusive, havíamos apresentado o local. É, eu começava a me desiludir com o meio musical e, perceber que quem tivesse mais dinheiro ou papo, ganhava todo o espaço ao redor.
Há algumas histórias bem engraçadas sobre a Hora H, mas a mais curiosa é essa: fomos contratados pra fazer um réveillon em uma praia. Infelizmente Rosinha estava tocando com outros. Terminamos por colocar um cara que já conhecia nosso repertório, tinha experiência e era bom, mas com um problema, não podia beber que pirava e tocava tudo errado. Foi devidamente conversado no ensaio que ele teria que ficar de cara até o fim da noite. Tudo estava bem, ele fez uma boa performance, sem cometer erros de andamento. O palco principal foi desmontado e o patrão nos colocou em um tablado ao lado do bar, já que o show da virada fora na beira do mar. Quando percebi, o dito cujo, desmontando e remontando a bateria estava com umas três botijas ao lado e segurando outra. Fui até ele que, já cambaleante me soltou os cachorros e disse que estava bem e que eu fosse pra aquele lugar que ele ia tocar de qualquer jeito, sentou no banquinho e começou, de forma absolutamente doida e descompassada a fazer um “solo”. O público debandou, porque a cada 10 segundos de tocação eram 30 de descer do tablado e fazer pose de herói, erguendo as baquetas e acenando esfuziantemente. Ainda bem que o dono do bar entendeu e nos dispensou. Bateu um papo com o batera e entregou nosso cachê a ele. Quando fui lá pedir a grana, que era minha tarefa, cadê o rapaz? Sumiu! E o que é pior, com meu carro que ele estava dirigindo. Fiquei uma hora esperando, Ale e Durão deixaram pra pegar o cachê em outro momento e ainda me xingaram por tê-lo contratado, todos foram embora, inclusive nosso empregador. Fechou a birosca e eu lá fulo da vida. De repente ele chega. Todo brabinho, cheio de garrafas de cerveja, se queixando “do que fizeram com ele”, o humilharam, etc. Não queria me levar junto, já que eu dormiria na casa dele, que era “meu amigo”. Na viagem até parecia melhor, mas quando chegamos não quis me deixar entrar e me mandou dormir no carro, o que era insuportável pelo calor. Mas que indiada, tchê.

Acho que o grupo acabou porque eu cansei. Cansei de donos de bar exploradores que ficam chorando um cachezinho de merda e colegas traíras que roem o teu cantinho fazendo tua caveira. Cansei de ficar ouvindo rádio e correndo atrás dos últimos sucessos pop pra tocar no finde porque a competição entre as bandas aumentou e a programação da rádio mudou loucamente nos anos 90: no final eu já tava tocando carnavaizinhos e pagodinhos pra descolar um troco. Me cansei porque os meus colegas de empreitada deixavam tudo pra mim, não faziam nada e ainda reclamavam quando eu não tava fim de fazer aquele trabalho chato. Cansei de viajar pro interior, dormir em hotéis baratos, ficar 8, 10 ou 12 horas no ônibus e perder totalmente o ritmo do sono.
Quando a Hora H começou, não havia 5 bandas de covers em Porto Alegre capazes de fazer um bom baile como nós, só que não chegamos a ser conhecidos na capital, só no interior. Tocamos em cidades em todas as regiões gaúchas, nosso repertório tinha mais de 300 músicas! Tenho certeza que se voltássemos a estar juntos seria um encontro interessante. A Hora H me deu experiência, domínio de palco, aprimorou meu ouvido musical, me deu frieza e percepção do público como profissional e me ensinou a cantar e tocar baixo ao mesmo tempo. Enfim, me tornei músico.

Formação:Lawrence David (contrabaixo e vocal)
Renato Durão (Violão e vocal)
Alexandre Farina (Guitarra e vocal)
Daniel Rosa (Bateria e Vocal) substituido por Aquiles Priester em 1993.

Obrigado a todos que apoiaram o grupo de alguma forma enquanto ele existiu.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

David Bowie, O Mutante imprevisível se (re)cria.


É impossível não ficar embasbacado com tanta alteração de curso. Quando a gente acha que capturou a essência da criatura, ela foge. Esconde-se atrás de seu ego impossível de se mensurar, criando um universo novo a cada investida. Nos mostra como somos vários em um, que é possível se reinventar a cada fase de nossa vida criando um novo universo em cada página virada.


Poderia ter sido um monge budista. Ou apenas ter se consolidado com um humilde mímico e ator, mais um ilustre e talentoso desconhecido multiartista. Mas jamais desistiu da fama, objetivo para o qual parecia ter sido criado. Ainda que tardia, pois a obteve depois dos 20, fez de tudo para conseguí-la. Até mesmo dormir com quem fosse necessário. Seu primeiro verdadeiro casamento, com Angie, foi a definitiva produção inicial de si mesmo. Encontrou alguém para direcioná-lo, e também não teve prurido de trocar tudo quando se encheu. É, assim são os artistas, assim é Bowie.


Tanta inteligência e talento para o Pop sempre se expandiu na hora certa, mais do que imitando, ditando moda. Ator, web-designer, estilista, cantor, compositor, arranjador, pintor? O importante é a arte, não o meio para expressá-la. Sejamos pragmáticos como ele o é. Vejamos o que esperam de nós, atendamos à demanda e acrescentemos nosso dom. Aí teremos a novidade, pronta pra ser admirada por todas as partes do mundo.

Desde um convencional cantorzinho inglês que faz comédia até o mais desbravador artista underground eletronificado, nosso herói é uma verdadeira metamorfose. Não satisfeito em criar um personagem que marcou toda uma geração e um estilo, ele abandona o barco e investe na profundidade de Orwell, na transcendência de Turcos e Berlinenses, na eletrônica e na livre experimentação, vira um suíço de coração e produz algumas das canções mais marcantes do pop rock. Sempre reciclando músicos e amigos, pelo menos é fiel a si mesmo. Não trai sua natureza renovadora.

Inesquecível ouvir Five Years pela primeira vez. É a valsa do mundo contemporâneo e cada vez mais atual. Teremos realmente 5 anos? O mundo urge, as pessoas se descontrolam e caem na violência. Há muita informação, mas ninguém sabe de nada. A glamorização dos ricos e famosos se tornou insuportável. O culto ao bizarro também. Bowie é o criador e a criatura dos eventos pós-modernos. Culpado ou vítima?


Mesmo sem ser famoso ele escreveu algumas canções incríveis: Life on Mars?, Changes, Oh, You Pretty Things estão entre as melhores, com certeza. Não há quem não tenha dançado ao som do existencialismo de Let’s Dance ou China Girl nos 80. Não há quem não queira ver um show seu, que é sempre inovador e/ou surpreendente.  
            Mas por onde anda essa pessoa? Provavelmente em uma bucólica paisagem, curtindo a vida, nos dando, mais uma vez, o exemplo do que é melhor fazer em uma determinada época, depois do desgaste da mocidade. Afinal, cabe aos grandes nomes da cultura encaminhar as novas gerações para o conforto e a beleza.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Deu Caimbra e Carreteiro de Charque, a gênese do fenômeno


Estava eu na flor da idade curtindo os Beatles. Aquela coleção completa que meu pai me deu aos 13 anos em meu aniversário deu um sabor especial à minha paixão. Com uma raquete de frescobol como guitarra improvisada me olhava no espelho imitando meus ídolos. Eu parecia mais o John Lennon, mas queria ser o Paul McCartney. Em breve ganharia um usado baixo Finch Rickenbaker amarelo, meu primeiro instrumento. Por tabela, convenci meus melhores amigos Alexandre e Fernando a serem os outros Beatles. Um comprou uma SG (Giannini) e o outro uma bateria Gope.

Enquanto isso …
… eu ingressava na escola secundária Infante Dom Henrique e conhecia Carlos, Caio, André e Companhia. Em uma tarde de sábado ensolarada lá na Cavalhada, que era longe na época, na presença de uma guitarra Supersonic vermelha Giannini, uma órgão eletrônico e um experiente músico, Seu Danilo, (pai do Caio) eu assistia a um ensaio dos “Violeiros Desgarrados”. E eles tocavam Two Of Us e I've Got A Feeling. Eu até cantei junto! Quanta emoção. Estava virando músico. Minha cabeça pirou. A música se tornou uma obsessão e comecei a ouvir um monte de outras coisas. Kiss, Queen, Deep Purple, Yes, Jethro Tull …
Aquele Ensino Médio pra minha formação como estudante foi uma naba, mas, para o aprendizado musical foi ótimo. Minha Turma de colégio e eu íamos ao Unimúsica na Reitoria da UFRGS, a pé, todas as sextas-feiras e vimos muitos shows de artistas locais de graça, Cheiro de Vida, Raiz de Pedra, Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro, Nei Lisboa, etc. Bons tempos os anos 80. Em breve, o Paulo Ricardo desistiria dos Desgarrados por causa de brigas, e formaria uma nova banda, pra tocar somente MPB e Música Gaudéria (é, eu também já bebi disso …), e o nome, esquisito, seria Carreteiro de Charque.  


Com formação variável, mas sempre eu de baixista, o grupo fez apresentações no circuito meninodeusense, escolas do bairro (incluindo o Presidente Roosevelt e o Infante Dom Henrique onde cursei os ensinos fundamental e médio, respectivamente). Dividimos o palco com o Canto Terra e com quem mais? Adriana Calcanhoto. Isso mesmo. Saída direto das aulas de música do Infante, ela ganhou uma chance de mostrar seu repertório desenvolvido na churrascaria Chama Crioula e seus agudos poderosos. Chegamos a compartilhar um programa na TVE onde ela fez uma participação especial, afinal, nós éramos mais conhecidos que ela.
Mas minha paixão mesmo era o Rock. Por isso articulei com meus comparsas um grupo que tocasse somente esse ritmo. Custou para o seu Fernando Trein comprar uma bateria, que era bem cara. Eu já era um músico experiente (quá,quá) e o Alexandre Farina foi se encarnando na guita e a coisa foi melhorando. Tocávamos com uma caixa de guerra e pratos de banda marcial improvisados como batera. Coisas fáceis claro, “Cold Gin” do Kiss, e nossa última paixão, O Sabbath …


Pintamos camisetas e batemos fotos. Infelizmente, como banda, só restou uma chapa de recuerdo.



Na primeira e única mostra musical do IDH, feita pra romper com os grilhões da ditadura, cantei … “general's gather in the masses ...” Sucesso absoluto. Garotas histéricas, frenesi, fama instantânea na Escola, em nossa quase única apresentação. Nos dois anos seguintes comprei um cantrabaixo novo, mas, encafifado com a vida, parei de tocar. Fernando Trein foi o primeiro a se profissionalizar, comprou a antiga bateria Pearl de Alexandre Fonseca e seguiu em frente, tendo aulas com o digníssimo mestre Sílton Tabajara, o Taba, até começar a cursar administração. Hoje é um bem sucedido professor da ESPM. O Farina virou jornalista. Eu e ele ainda tocamos juntos na Hora H durante metade da década de 90.
A paixão pela música continua, até o fim dos tempos ...