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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Biografias a la Carte - Parte 1


As pessoas me perguntam o que inventei pra substituir a atividade de músico, que praticamente não exerço mais. Quem uma vez foi músico na vida é porque tem uma ligação forte com a coisa do som. Continuo ouvindo muita música sempre, todos os dias ouço alguma coisa nova ou re-ouço coisas antigas que gosto. Isso eu faço desde criança, muito antes mesmo de me tornar musicista. E, como gosto muito de Rock, algo que tem me feito ficar próximo da vida na estrada, já que não a tenho mais, é ler sobre a estrada dos outros. Nos últimos quatro anos li umas 40 biografias, a maioria delas sobre músicos. Isso se tornou praticamente uma especialidade em minha vida e um Hobby muito querido, que me faz sintonizar com o mundo mágico da mais incrível das artes. Seja lá onde for que eu esteja, tenho sempre uma biografia à mão.
Vislumbrando assim esse caminho percorrido, posso dizer que a maioria desses textos que vou citar têm algumas características que aprecio quando estou lendo, e que me desagradam se não estiverem presentes. A primeira delas é o estilo do autor. Isso é fundamental. Como a maioria são trabalhos de cunho jornalístico, se o autor for apenas um repetidor do modelo mainstream de hierarquização das informações, vai ficar meio chato. A base tem que ser mais reportagem antes de tudo, e não notícia, como algumas obras são. O autor deve sempre, com muito cuidado é claro, arriscar conclusões, opiniões e adjetivos para não deixar a coisa meramente descritiva. A segunda, é que a narrativa deve ser bem completa do ponto de vista bibliográfico, tentando superar de certa forma o que já foi escrito antes. Percebemos isso pelas citações do texto e pelas referências utilizadas ao final do livro. Não é difícil sacar quando aparece algo de novo em termos de informação. Por fim, prefiro biografias que retratem a vida do sujeito desde o início e em ordem cronológica (mania de historiador). Estes textos, bem completos, provaram ser os melhores, contrastando com aqueles que fogem do modelo clássico e, em que, frequentemente, tanto o autor quanto nós, leitores, perdemos o fio da meada.
Posto isto, queria dar umas dicas aqui, para caso o amigo leitor esteja interessado, de Biografias Musicais legais de serem lidas. Recomendo que se tenha sempre em mãos o correspondente sonoro do livro: os Álbuns da figura em questão. De preferência todos aqueles citados no livro. Não é muito difícil conseguir isso na Web. Se não der, pelo menos é legal dispor de algumas canções estratégicas mencionadas e indicadas pelos autores.



Classe A

Pra começar recomendo um autor de biografias: Ruy Castro. O cara é um Mestre! Ele controla o fluxo de consciência do leitor com uma incrível facilidade. Seu texto é rico e tem um vasto vocabulário. Ele é capaz de te deixar melancólico com as dificuldades enfrentadas por nossos heróis, ou simplesmente nos dobrar de rir. A gente sempre aprende muito com ele. É claro que não li tudo o que ele escreveu, mas posso dizer que sou capaz de recomendá-lo para vocês citando quatro trabalhos bem significativos. O primeiro é talvez o maior clássico sobre o gênero já escrito no país, “Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova” (Companhia das Letras, 1990). Magnético. E eu que nunca havia me encantado tanto com a Bossa assim passei um mês fissurado ouvindo João Gilberto. Que coisa. Na verdade a Bossa operou como um agente modernizador da música brasileira, aproximando-a do Jazz, mas sem afastá-la de sua raiz rítmica, trazendo o samba para as rodinhas de violão da classe média e da elite da zona sul do Rio de Janeiro. A Bossa fez a primeira síntese moderna que trouxe a MPB, na esteira do Tropicalismo que viria em seguida. Mas à parte desse blá, blá blá de historiador, as biografias em geral, e essa em particular, me fascinam pela construção da psiquê das personagens. Empolgante o processo de transformação de João Gilberto no primeiro grande cantor do movimento. Ele se isolou do mundo na casa de uma irmã no interior da Bahia, depois de peregrinar sem sucesso pelo Rio, e se transformou naquele que conhecemos. Também são narradas cenas hilárias dessa figura que à medida que envelhece, vai se tornando mais esquisito e isolado. É uma aula de História do Brasil dos Anos 50 e 60, recheada com muito bom humor e referências bastante eruditas sobre samba e Jazz (aproveite especialmente os comentários e impressões sobre grupos vocais e bandas de Jazz, que são muito refinadas, e como os grupos brasileiros ‘adotaram’ esse estilo). Conseguimos ali entender as personalidades de Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Nara Leão, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, e principalmente, JG.



Outro relato impressionante, é “Carmem, Uma Biografia” (Companhia das Letras, 2005). Aliando seu grande conhecimento de música e usando com maestria a História do período como pano de fundo, se torna possível sentir o Brasil e Os EUA do período 1920-50 pelas brilhantes e ricas descrições da cultura de época feitas por Ruy Castro. Carmem Miranda nos aparece como uma verdadeira heroína brasileira. Vinda de família de imigrantes portugueses ela tornou-se, como o próprio autor enfatiza na “Brasileira mais famosa do Século XX”. Conheceu dupla fama, primeiro no Brasil, depois nos EUA. Nunca realizou o sonho de sua vida que era casar e ter muitos filhos. Desde cedo abriu mão de tudo isso para se transformar em uma estrela, trabalhando feito louca e abusando de remédios pra dormir/relaxar que eram receitados pelos médicos de Hollywood livremente na época. Com a saúde degenerando com a idade e sem abrir mão de sua pesada agenda, morreu subitamente com apenas 46 anos, longe do Rio de Janeiro, a cidade que conquistou como rainha, muito jovem, e da qual partiu para poucas e conturbadas vezes voltar.



Ainda li “O Anjo Pornográfico – A Vida de Nelson Rodrigues” (Companhia das Letras, 1992) e “Estrela Solitária – Um Brasileiro chamado Garrincha” (Companhia das Letras, 1995), ambos extraordinários. O Primeiro, sempre como aula de História, coloca o Jornalismo e a Imprensa Brasileira em perspectiva analítica e cronológica, além de situar Nelson muito propriamente como um Conservador Progressista, ou algo assim, e o mais importante autor de teatro do país a partir de “Vestido de Noiva” (1943). O segundo, é uma tocante narrativa de, como um descendente de índios nordestinos criado no interior do RJ, na cidade de Pau Grande, se transformou em um dos primeiros jogadores de futebol brasileiro a se tornar mundialmente famoso. E de como, entregue à Cartolagem, à bebida, e possuindo como defesa apenas a segunda série do ensino fundamental, mal sabendo ler, toda essa fama se esvaiu subitamente, deixando o protagonista em uma situação trágica. O livro serviu pra esclarecer de vez o papel de Elza Soares. Muitos diziam que ela teria se aproveitado da fama de Mané. Ao contrário, se não fosse a celebridade da cantora, Garrincha não teria sobrevivido ao massacre da Imprensa quando, jogando mal e com o joelho irreversivelmente estragado, se descobriu que ele era bígamo, pois apesar de namorar e morar com Elza esbanjando dinheiro, mantinha a primeira mulher com seus muito filhos em sua cidade natal, em um estado de semi-pobreza.





Dois compêndios igualmente impactantes que considero clássicos do gênero foram “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia” de Nelson Motta (Objetiva, 2007) e “John Lennon –A Vida” por Phillip Norman (Companhia das Letras, 2009). Nelson Motta anda sempre por aí, quer pela produção cultural, quer por seu envolvimento com Jornalismo ou literatura, prezando sempre a qualidade dos artistas que divulga. Ele acompanhou de camarote o surgimento da Bossa Nova e do Tropicalismo, foi empresário de sucesso na noite carioca (recomendo também Noites Tropicais - Solos, improvisos e memórias musicais, Objetiva, 2000) e o que torna seus livros interessantes é justamente o fato de ele ter vivido as histórias que narra e convivido amplamente com os personagens que descreve. O texto é super leve, o que nesse caso, e pelo conteúdo bem articulado, é qualidade e não defeito. No caso de Tim, soma-se o fato dele ser muito louco e cheio de manias, uma figuraça. Somos relembrados o tempo inteiro sobre a “Ética Maia”, uma maneira muito particular de ver o dinheiro, a fama, o amor e os convivas.



Como beatlemaníaco e tendo lido muita coisa sobre o assunto que me caiu na mão eu digo, essa biografia sobre o John é incrível. A quantidade de detalhes, a precisão das descrições dos personagens e a ousadia em propor até um homossexualismo entre John e Paul, além de uma relação incestuosa com a mãe, são no mínimo chocantes. A descrição do Jovem de Liverpool é a mais minuciosa e pertinente que existe. Embora a mulher do falecido Beatle, depois de lê-la, tenha se recusado a endossá-la, há que se admitir: não houve biografia que mais a tenha favorecido. Aqui, Yoko aparece como uma mulher forte, que carregou Lennon nas costas enquanto ele estava perdido, soube como ninguém salvar os negócios da família, e não como uma aproveitadora. Na verdade dinheiro nunca foi seu problema, ela se tornou independente de seu pai, um banqueiro japonês, por iniciativa própria, para tornar-se uma artista de vanguarda. As teses de Norman são discutíveis, mas apesar das 600 e tantas páginas, é impossível largar. Me recordo de, em duas oportunidades, ter perdido horário pra ficar lendo, quase que enfeitiçado.
E na segunda parte, em breve, eu comento mais algumas.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ray Conniff é Melhor que Pagode e Sertanejo


Nunca poderemos deixar de pensar que uma das eras de ouro de nossas existências foi a infância. É aquele período encantado em que todas as memórias nos remetem à nostalgia absoluta. Uma verdade surge pra quem foi feliz como eu e ancora sua memória na música: os 70 foram bons tempos. Não tiveram a magia dos 60 onde tudo convulsionou em revoluções completas ou parciais transformando o mundo, muito pelo contrário. Foram acomodados, moderadamente consumistas e, na América Latina, autoritários. Mas eu era muito criança, até tinha alguma consciência da situação política porque minha mãe era professora e meus pais sempre me deram muitos livros. Meu refúgio maior pra essa realidade que começava a ficar mais difícil para minha geração sempre foi o som.
            Fiz meu coroa doar uma maravilhosa Eletrola (que tocava até dez lados de Lps contínuos!) porque ela tinha um pequeno defeito. Por desgaste no potenciômetro do volume ela disparava um som alto de vez em quando. Meu ouvido e nervos sensíveis não suportavam aquela surpresa berrona (quem diria que eu seria um baixista do ritmo mais barulhento que existe...). Os Lps da coleção de minha casa usei como direção de automóvel em minhas brincadeiras – curiosamente nunca aprendi a dirigir – de motorista de táxi. Tal fato fez com que meu pai iniciasse uma coleção de discos nova na próxima vez em que adquiríssemos um som onde iam aparecer muitas das coisas que ouvi quando menino.
            Em um aniversário do Velho, minha mãe sugeriu que comprássemos um novo aparelho. Me lembro de irmos em uma loja que ficava quase no Largo do Medeiros na Rua da Praia chamada de Casa Victor”, onde hoje fica a Livraria Paulinas. Precisávamos escolher algo estéreo, “moderno”, conforme as exigências da época,  que coubesse em nossa renda. Acabamos escolhendo um portátil Phillips, que funcionava a pilha ou ligado na tomada. As caixas acústicas eram destacáveis e serviam de tampa para o prato. Também se separavam uma da outra quando retiradas. Mau ouvido absoluto achava o som pouco grave, mas aquela foi minha primeira nave pra onde viajei pelas galáxias sonoras de meu tempo.
            Me recordo dos discos de orquestra que meu pai adquiria. Frank Pourcel ( ... e um mundo de Melodias nº 21), Paul Mauriat, Ray Conniff, Billy Vaughn, Ferrante & Taicher (dois pianistas), Mantovani (A Lenda da Montanha de Cristal). Mas também tinham os Beatles, Elvis Presley, Elis Regina e muitos discos de Samba, geralmente coletâneas de sucessos da época – “Samba Maior” –, Clara Nunes e Alcione, enfim, bastante ecletismo. Esse foi o meu catecismo de início de vida, doutrina melódica, rítmica e harmônica de uma juventude de encantamento com as ondas mecânicas do barulho. Em seguida, como se eu tivesse me adonado desse universo, passei a adquirir por insistentes pedidos de verbas coletâneas pop da época (1976, 77, 78 ...) como as da K-Tel (In Concert, Music Express, Dynamite ...) e, mais adiante, voltada para o astral “Disco”, a onda que tomou conta do Brasil no fim dos 70 a partir da exibição da Novela “Dancin’ Days” na Globo em 1978-79, como as próprias trilhas de Novelas, alem, é claro da “Discoteca Papagaio”, “Hippopótamus Disco Club”, Disco 78, 79, 80, etc. Toda essa salada de estilos foi influência, além de meu núcleo familiar, de minhas primas, meus amigos, meus colegas de aula.
            Não havia preconceito ainda. A MUZAK comercial que ouvíamos, vejo hoje, era inofensiva, porque era música. Tínhamos o Village People, o Boney M. e o Silver Convention, mas junto tivemos o Revival dos 50 e 60 provocado por novelas de época como “Estúpido Cupido”. Tínhamos variedade e riqueza. Liberdade auditiva e variedade radiofônica, havia a MPB do Chico e Caetano, Milton e Gonzaguinha que crescemos ouvindo, e mais, tínhamos aula de música na Escola. Trocamos nosso portátil por um Phillips estéreo com grandes caixas acústicas (do qual eu ainda reclamava porque meu sonho era ter um Gradiente, a nova mania da época) e depois, mais adiante, por um 3 em 1 – Stéreo Music Center – de marca Sharp, que ainda possuo até hoje.
            Fui parar na banda da Escola Presidente Roosevelt. Maria de Lourdes Porto Alegre, avó do cara aquele que ganhou o BBB (Dourado) me ensinou um pouco de Piano e escaleta e me colocou lá. As bandas de Escolas do Menino Deus eram todas muito boas, como a nossa e a do Duque de Caxias. No Ensino Médio conheci Adriana Calcanhotto através da professora Nélia do Infante Dom Henrique, que a descobriu. Por causa disso (e dos Beatles, claro) aprendi a tocar Violão e contrabaixo. Minha turma ia ao projeto “Unimúsica” da Reitoria da UFRGS, religiosamente a pé, todas às Sextas-feiras. Adolescemos vendo artistas como Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro e Cheiro de Vida se apresentarem em diversos espaços e se tornarem reconhecidos.
            Estou contando tudo isso – e haveria muito mais – pra dizer que a juventude de hoje, em termos musicais, está severamente enrascada. A mediocridade ronda a mente das crianças, desde a tenra idade até a maturidade relativa. Expostos a toda sorte de lixo comercial e industrial – parafraseando Renato Russo – eles estão viciados, desorientados e, virtualmente, perdidos. O jabá, em rádio, tomou conta de tudo, tudo mesmo. E as grandes multinacionais – as mesmas que pagaram pra música sair do currículo escolar – deitam e rolam em tempos de verdades absolutas midiáticas e censura velada. Tanta liberdade pra compartilhar e piratear e os jovens, sinceramente, não sabem o que fazer com isso. O que sobrou pra cultura brasileira são esses pobres repetidores de fórmulas surradas e rasas: sertanejos, pagodeiros e Funk.
            Nada contra as pessoas que vivem dessa cultura de massa “Low Brow”, mas convenhamos, em música, só repetir não é o caminho. Pior, dizer sempre a mesma coisa enche muito o meu saco. Cornice, cornice, cornice. Sofrimento por amor. Violência, vingança e ódio desmedido. Que porcaria é essa que estamos dando pras crianças? É realmente normal ver uma pequena de 2 ou 3 anos rebolando “na boquinha da garrafa” e repetindo “mama eu, mama eu, mama eu”? Onde está a música? Aquela riqueza de instrumentos das orquestras de elevador, riqueza de temas dos sambas da periferia do Rio e SP, a revolução dos anos 60, onde estão? Sumiu tudo com o reverberar tilintante das caixas registradoras dos donos dos meios de comunicação e com a acomodação dos pais que trabalham dia e noite “pra dar uma vida melhor” pros seus filhos que abandonaram na frente do computador ou do vídeo-game muitas horas por dia.
            Mas a música está voltando, pelo menos no currículo escolar. E esse fato enche de esperança quem teve uma infância rica em música e sons que fizeram e encantaram o mundo, e que ainda percebe o poder da mais grandiosa das artes. Rezemos pra que essa (nova) experiência faça renascer a vida do verdadeiro espírito musical, cada vez mais escondido, quase que banido da cultura pop e que, o Brasil, possa se orgulhar em um futuro próximo, de uma geração de grandes talentos, como outrora fez com tantos e não foram poucos. A sorte está lançada e, depende só de nós, educadores.
            

quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Hora H", ou O dia em que fui um Astro do Rock

Do ponto de vista do sucesso, onde eu cheguei mais perto em termos de público, foi com a Hora H. Pra começar, foi uma banda onde eu dei o meu sangue. Foram cerca de 200 apresentações em cinco anos de existência (1992-96). Ela foi os meus bailes da vida. Eu era responsável por escolher, preparar e passar aos outros músicos as canções que devíamos tocar. Isso era essencial pra a nossa produção ser bem-sucedida. Eu também marcava a hora nos estúdios para ensaiarmos com um baterista, fazia o contato com os donos de casas noturnas para combinar cachê, deslocamento e equipamentos.
Engraçado, esse grupo começou por acaso. Eu era o cantrabaixista do guitarrista Henrique Wilasco, o “Carlinhos”, hoje trabalhando na Dama da Noite. Eu o conhecera através de Ronaldo, que tocava bateria em minha banda de garagem, a Ópera Bufa. Ele gostou do meu som e disse que estava montando seu grupo onde ele seria a estrela da Guitarra virtuose. Era fã de Joe Satriani. Eu não tinha exatamente amor por aquilo mas foi uma grande experiência por poder trabalhar com musica unicamente instrumental, e coisas novas é o que eu procurava na época. Não tinha muito nourrau ainda, era verde.

Em termos de datas, a coisa ia de mal a pior. Depois de uma estreia mediana em um bar de classe alta em Porto Alegre, quase não tínhamos shows. E ainda tomamos um cano em um bar de porão em Canoas. Ainda bem que o Carlinhos apareceu com a idéia. “vamos ali em Esteio, eu conheço uns caras que tocam em uma galeria e eles pelo menos deixam a gente fazer um som, já estamos com os instrumentos e amplificadores no carro mesmo ...”. Encaramos. O lugar era a Galeria Center, bem no Centro. Estava hiperatrolhado. Acharam o nosso show legal. Nunca tinham visto, ali por aquelas bandas, um guitarrista que tocasse tão debulhantemente.
Um vocalista, baixinho, com um jeito e uma voz que lembravam Léo Jaime, um pouco mais velho que eu, esperou acabarmos e veio falar comigo. Era ele, Renato Durão. “Tchê, tu toca superbem, estou pensando em montar uma banda, não queres me acompanhar na semana que vem?”
Pô, se eu queria, estava louco pra trabalhar com música e ganhar alguma grana. Só que tinha um problema. Nosso chefe. O dono do lugar, que nos dava bebida e rango liberados queria uma banda inteira, e não um cantor com baixista. “Tu não consegues montar uma banda pra semana que vem?”, me perguntou o Durão. Loucura total, né? Da noite pro dia, criar um grupo, nada fácil. Tarefa para o super baixista cientista Lawrence David. Olha aqui, tive que ser pragmático. Meu camarada de infância, grande amigo e vizinho, colega de Ópera Bufa e outras indiadas mais, Alexandre Farina era a solução. Já vinha atuando na Coverboys, outra banda de covers com algum currículo na noite. O batera, Daniel Rosa, o Rosinha, faria as vezes de ritmista.
Corri como um louco aquela semana de outubro de 1991. Eu era meio pobre – desempregado, vagabundo – e não comprava discos havia séculos. Estava, portanto, bem desatualizado em termos de discografias. A ideia do Renato era um Pop Rock anos 80 – Cazuza, Legião, Barão Vermelho, Paralamas – todos fariam backing vocals e ainda haveria um repertório internacional em que apenas eu seria o cantor e ficaria como um segundo show, diferente e mais rockeiro. Finalmente eu seria um vocalista de destaque, coisa que já vinha ensaiando há tempos. Percorri o Menino Deus inteiro procurando Lps, daí gravei quatro cópias em fitas K7 com todas as músicas almejadas, distribuí para todos tirarem suas partes. Fiz cifras para todas as canções em xerox, compramos pastas com plásticos pra todos e conseguimos o estúdio do Ronaldo no bairro Assunção para nosso único ensaio da semana

Não foi muito difícil, na verdade. Minha ânsia por definir minha vida, em um momento onde eu havia empacado na faculdade (mais uma vez) me forçou prazeirosamente para aquilo. Sopa no mel. Na noite de estréia estava, como habitualmente, lotada a galeria. Mil figurinhas de todos os tipos, todas as tribos, mas principalmente jovens da noite de Esteio, Sapucaia e São Leopoldo, digitavam por ali. Nossa apresentação foi um delírio. Surgiu até, imediatamente, um fã clube que nos perseguia por onde quer que fôssemos. Acredito que aquele encontro musical foi um verdadeiro sucesso, pois a postura expressiva e correta de Renato, aliada à empolgação dos músicos por tocarem para uma plateia histérica e hipnotizada pelo volume dos instrumentos gerou, de fato, um som muito, muito legal.
Acho que permanecemos uns seis meses tocando ali. De banda da casa. Ganhando um cachê fixo que era de vinte e cinco dólares por noite, por músico, mais cerveja liberada e comida (controlada). Eventualmente tocamos sexta e sábado, mas era uma só vez por semana. Chegamos a tocar lá quinta-feira e no domingo também. É claro que pulamos as férias, onde não há movimento em cidade, só na praia – aliás a praia de 1992 foi realmente uma aventura, mas isso fica para uma outra história.

Aquela exposição toda ao Vale dos Sinos resultou em grandes extensões pra gente tocar. Fomos contratados, a partir desse ano como banda da casa de uma bar que ficava na Avenida Independência principal artéria da noite de São Leo. Nos rendeu muitas amizades, namoros, apresentações em vários estabelecimentos noturnos e até em outras cidades. Acompanhamos o sucesso do Manara, sua mudança para outro local maior, até sermos trairados em 1993, por supostos “amigos” a quem, inclusive, havíamos apresentado o local. É, eu começava a me desiludir com o meio musical e, perceber que quem tivesse mais dinheiro ou papo, ganhava todo o espaço ao redor.
Há algumas histórias bem engraçadas sobre a Hora H, mas a mais curiosa é essa: fomos contratados pra fazer um réveillon em uma praia. Infelizmente Rosinha estava tocando com outros. Terminamos por colocar um cara que já conhecia nosso repertório, tinha experiência e era bom, mas com um problema, não podia beber que pirava e tocava tudo errado. Foi devidamente conversado no ensaio que ele teria que ficar de cara até o fim da noite. Tudo estava bem, ele fez uma boa performance, sem cometer erros de andamento. O palco principal foi desmontado e o patrão nos colocou em um tablado ao lado do bar, já que o show da virada fora na beira do mar. Quando percebi, o dito cujo, desmontando e remontando a bateria estava com umas três botijas ao lado e segurando outra. Fui até ele que, já cambaleante me soltou os cachorros e disse que estava bem e que eu fosse pra aquele lugar que ele ia tocar de qualquer jeito, sentou no banquinho e começou, de forma absolutamente doida e descompassada a fazer um “solo”. O público debandou, porque a cada 10 segundos de tocação eram 30 de descer do tablado e fazer pose de herói, erguendo as baquetas e acenando esfuziantemente. Ainda bem que o dono do bar entendeu e nos dispensou. Bateu um papo com o batera e entregou nosso cachê a ele. Quando fui lá pedir a grana, que era minha tarefa, cadê o rapaz? Sumiu! E o que é pior, com meu carro que ele estava dirigindo. Fiquei uma hora esperando, Ale e Durão deixaram pra pegar o cachê em outro momento e ainda me xingaram por tê-lo contratado, todos foram embora, inclusive nosso empregador. Fechou a birosca e eu lá fulo da vida. De repente ele chega. Todo brabinho, cheio de garrafas de cerveja, se queixando “do que fizeram com ele”, o humilharam, etc. Não queria me levar junto, já que eu dormiria na casa dele, que era “meu amigo”. Na viagem até parecia melhor, mas quando chegamos não quis me deixar entrar e me mandou dormir no carro, o que era insuportável pelo calor. Mas que indiada, tchê.

Acho que o grupo acabou porque eu cansei. Cansei de donos de bar exploradores que ficam chorando um cachezinho de merda e colegas traíras que roem o teu cantinho fazendo tua caveira. Cansei de ficar ouvindo rádio e correndo atrás dos últimos sucessos pop pra tocar no finde porque a competição entre as bandas aumentou e a programação da rádio mudou loucamente nos anos 90: no final eu já tava tocando carnavaizinhos e pagodinhos pra descolar um troco. Me cansei porque os meus colegas de empreitada deixavam tudo pra mim, não faziam nada e ainda reclamavam quando eu não tava fim de fazer aquele trabalho chato. Cansei de viajar pro interior, dormir em hotéis baratos, ficar 8, 10 ou 12 horas no ônibus e perder totalmente o ritmo do sono.
Quando a Hora H começou, não havia 5 bandas de covers em Porto Alegre capazes de fazer um bom baile como nós, só que não chegamos a ser conhecidos na capital, só no interior. Tocamos em cidades em todas as regiões gaúchas, nosso repertório tinha mais de 300 músicas! Tenho certeza que se voltássemos a estar juntos seria um encontro interessante. A Hora H me deu experiência, domínio de palco, aprimorou meu ouvido musical, me deu frieza e percepção do público como profissional e me ensinou a cantar e tocar baixo ao mesmo tempo. Enfim, me tornei músico.

Formação:Lawrence David (contrabaixo e vocal)
Renato Durão (Violão e vocal)
Alexandre Farina (Guitarra e vocal)
Daniel Rosa (Bateria e Vocal) substituido por Aquiles Priester em 1993.

Obrigado a todos que apoiaram o grupo de alguma forma enquanto ele existiu.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

David Bowie, O Mutante imprevisível se (re)cria.


É impossível não ficar embasbacado com tanta alteração de curso. Quando a gente acha que capturou a essência da criatura, ela foge. Esconde-se atrás de seu ego impossível de se mensurar, criando um universo novo a cada investida. Nos mostra como somos vários em um, que é possível se reinventar a cada fase de nossa vida criando um novo universo em cada página virada.


Poderia ter sido um monge budista. Ou apenas ter se consolidado com um humilde mímico e ator, mais um ilustre e talentoso desconhecido multiartista. Mas jamais desistiu da fama, objetivo para o qual parecia ter sido criado. Ainda que tardia, pois a obteve depois dos 20, fez de tudo para conseguí-la. Até mesmo dormir com quem fosse necessário. Seu primeiro verdadeiro casamento, com Angie, foi a definitiva produção inicial de si mesmo. Encontrou alguém para direcioná-lo, e também não teve prurido de trocar tudo quando se encheu. É, assim são os artistas, assim é Bowie.


Tanta inteligência e talento para o Pop sempre se expandiu na hora certa, mais do que imitando, ditando moda. Ator, web-designer, estilista, cantor, compositor, arranjador, pintor? O importante é a arte, não o meio para expressá-la. Sejamos pragmáticos como ele o é. Vejamos o que esperam de nós, atendamos à demanda e acrescentemos nosso dom. Aí teremos a novidade, pronta pra ser admirada por todas as partes do mundo.

Desde um convencional cantorzinho inglês que faz comédia até o mais desbravador artista underground eletronificado, nosso herói é uma verdadeira metamorfose. Não satisfeito em criar um personagem que marcou toda uma geração e um estilo, ele abandona o barco e investe na profundidade de Orwell, na transcendência de Turcos e Berlinenses, na eletrônica e na livre experimentação, vira um suíço de coração e produz algumas das canções mais marcantes do pop rock. Sempre reciclando músicos e amigos, pelo menos é fiel a si mesmo. Não trai sua natureza renovadora.

Inesquecível ouvir Five Years pela primeira vez. É a valsa do mundo contemporâneo e cada vez mais atual. Teremos realmente 5 anos? O mundo urge, as pessoas se descontrolam e caem na violência. Há muita informação, mas ninguém sabe de nada. A glamorização dos ricos e famosos se tornou insuportável. O culto ao bizarro também. Bowie é o criador e a criatura dos eventos pós-modernos. Culpado ou vítima?


Mesmo sem ser famoso ele escreveu algumas canções incríveis: Life on Mars?, Changes, Oh, You Pretty Things estão entre as melhores, com certeza. Não há quem não tenha dançado ao som do existencialismo de Let’s Dance ou China Girl nos 80. Não há quem não queira ver um show seu, que é sempre inovador e/ou surpreendente.  
            Mas por onde anda essa pessoa? Provavelmente em uma bucólica paisagem, curtindo a vida, nos dando, mais uma vez, o exemplo do que é melhor fazer em uma determinada época, depois do desgaste da mocidade. Afinal, cabe aos grandes nomes da cultura encaminhar as novas gerações para o conforto e a beleza.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Deu Caimbra e Carreteiro de Charque, a gênese do fenômeno


Estava eu na flor da idade curtindo os Beatles. Aquela coleção completa que meu pai me deu aos 13 anos em meu aniversário deu um sabor especial à minha paixão. Com uma raquete de frescobol como guitarra improvisada me olhava no espelho imitando meus ídolos. Eu parecia mais o John Lennon, mas queria ser o Paul McCartney. Em breve ganharia um usado baixo Finch Rickenbaker amarelo, meu primeiro instrumento. Por tabela, convenci meus melhores amigos Alexandre e Fernando a serem os outros Beatles. Um comprou uma SG (Giannini) e o outro uma bateria Gope.

Enquanto isso …
… eu ingressava na escola secundária Infante Dom Henrique e conhecia Carlos, Caio, André e Companhia. Em uma tarde de sábado ensolarada lá na Cavalhada, que era longe na época, na presença de uma guitarra Supersonic vermelha Giannini, uma órgão eletrônico e um experiente músico, Seu Danilo, (pai do Caio) eu assistia a um ensaio dos “Violeiros Desgarrados”. E eles tocavam Two Of Us e I've Got A Feeling. Eu até cantei junto! Quanta emoção. Estava virando músico. Minha cabeça pirou. A música se tornou uma obsessão e comecei a ouvir um monte de outras coisas. Kiss, Queen, Deep Purple, Yes, Jethro Tull …
Aquele Ensino Médio pra minha formação como estudante foi uma naba, mas, para o aprendizado musical foi ótimo. Minha Turma de colégio e eu íamos ao Unimúsica na Reitoria da UFRGS, a pé, todas as sextas-feiras e vimos muitos shows de artistas locais de graça, Cheiro de Vida, Raiz de Pedra, Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro, Nei Lisboa, etc. Bons tempos os anos 80. Em breve, o Paulo Ricardo desistiria dos Desgarrados por causa de brigas, e formaria uma nova banda, pra tocar somente MPB e Música Gaudéria (é, eu também já bebi disso …), e o nome, esquisito, seria Carreteiro de Charque.  


Com formação variável, mas sempre eu de baixista, o grupo fez apresentações no circuito meninodeusense, escolas do bairro (incluindo o Presidente Roosevelt e o Infante Dom Henrique onde cursei os ensinos fundamental e médio, respectivamente). Dividimos o palco com o Canto Terra e com quem mais? Adriana Calcanhoto. Isso mesmo. Saída direto das aulas de música do Infante, ela ganhou uma chance de mostrar seu repertório desenvolvido na churrascaria Chama Crioula e seus agudos poderosos. Chegamos a compartilhar um programa na TVE onde ela fez uma participação especial, afinal, nós éramos mais conhecidos que ela.
Mas minha paixão mesmo era o Rock. Por isso articulei com meus comparsas um grupo que tocasse somente esse ritmo. Custou para o seu Fernando Trein comprar uma bateria, que era bem cara. Eu já era um músico experiente (quá,quá) e o Alexandre Farina foi se encarnando na guita e a coisa foi melhorando. Tocávamos com uma caixa de guerra e pratos de banda marcial improvisados como batera. Coisas fáceis claro, “Cold Gin” do Kiss, e nossa última paixão, O Sabbath …


Pintamos camisetas e batemos fotos. Infelizmente, como banda, só restou uma chapa de recuerdo.



Na primeira e única mostra musical do IDH, feita pra romper com os grilhões da ditadura, cantei … “general's gather in the masses ...” Sucesso absoluto. Garotas histéricas, frenesi, fama instantânea na Escola, em nossa quase única apresentação. Nos dois anos seguintes comprei um cantrabaixo novo, mas, encafifado com a vida, parei de tocar. Fernando Trein foi o primeiro a se profissionalizar, comprou a antiga bateria Pearl de Alexandre Fonseca e seguiu em frente, tendo aulas com o digníssimo mestre Sílton Tabajara, o Taba, até começar a cursar administração. Hoje é um bem sucedido professor da ESPM. O Farina virou jornalista. Eu e ele ainda tocamos juntos na Hora H durante metade da década de 90.
A paixão pela música continua, até o fim dos tempos ...

domingo, 2 de janeiro de 2011

domingo, 14 de novembro de 2010

O Dia em que matei Paul McCartney


Eu não podia ter não ido ao show do Paul. Eu trai, desgraçadamente a mim mesmo.
Sou fiel. Nunca traio meu seres amados e amigos. Mas canso de trair a mim mesmo.



E fiquei de desculpinhas. Não, o cara era o John, o Paul era um espetáculo secundário. E ignorei o fato de suas interpretações de Little Richards tresloucarem as guriazinhas há 50 anos atrás. Aí também estava a Beatlemania. Mas realmente as composições mais contundentes e significativas são do Lennon. O cara era muito mais ácido e cortante e foi o pós-beatle que fez mais pelo mundo. Casou com uma artista de vanguarda e ainda por cima, japonesa. O paul foi o traíra enciumado que planejou a ruptura e só avisou os outros na hora em que quis pra lançar seu primeiro disco solo.
Mas ele aguentou a barra sozinho quando o suco de limão pirou com as drogas: LSD, estimulantes, até o poço fundo da heroína. O cara era doidão demais! Era necessário alguém mais pé no chão, que buscava simplicidade, romantismo e perfeição formal simultâneos pra segurar aquele trem desgovernado que foram os Fab Four no final. Sem Paul os Beatles não teriam durado tanto. (Mas ele tem que ter algo de ruim pra que eu possa não me importar não tê-lo visto em minha cidade natal!)



Ele praticamente conspirou pra tirar o Stu do grupo. Ele fez intriga? Quem não faria. O neguinho tocava mal e já era um grande artista plástico e eles, em 1961, ainda não eram quase nada a não ser uma das centenas de bandas de garotos pobres que queriam enriquecer com música. Ele já mexia melhor com os graves que qualquer um ali, e cantava de verdade.
Ele não tem tantas canções boas como seu irmão-oponente não fase pós. É verdade, elas foram esparsas e sua banda, o Wings, não era das mais interessantes, e amiúde foi ridicularizada pelos críticos que fatalmente o comparavam com os outros. Será? Tem as belíssimas Junk, Ev'ry Night e Baby I'm Amazed, isso só no primeiro album … Another Day, Too Many People, Jet, Band On The Run, Coming Up, Ebony And Ivory, Silly Love Songs, Mull Of Kintire, Live And let Die, só pra citar algumas.



 Também seria herege se o tirasse do meu coração pois isso tudo está envolvido de tal forma em meu ser desde menino, desde que o mundo é mundo e seus sentimentos se moldaram quase que em definitivo, que não dá. Quando a admiração chega a esse ponto temos que matar o ídolo. Deveria ter me endividado mais ainda, implorado aos conhecidos. Fiz apelos no Orkut pra que alguém me doasse o ingresso. Ironicamente, uma grande amiga, dois dias depois do 7 de Novembro, me comunicou que poderia ter me conseguido o ingresso, “da próxima vez ...”
É impossível! Perco uma parte de minha memória cada vez que me lembro. Não devia fazer isso comigo. O show tinha que ser de graça, ao ar livre, pruma multidão de 400 mil pessoas, num belo anfiteatro rodeado de árvores e com um lindo por-do-sol como só Porto Alegre tem. Espetáculos assim não podem ser propriedade de uns poucos. Ninguém tem esse direito, nem que seja um dos Beatles.