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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ray Conniff é Melhor que Pagode e Sertanejo


Nunca poderemos deixar de pensar que uma das eras de ouro de nossas existências foi a infância. É aquele período encantado em que todas as memórias nos remetem à nostalgia absoluta. Uma verdade surge pra quem foi feliz como eu e ancora sua memória na música: os 70 foram bons tempos. Não tiveram a magia dos 60 onde tudo convulsionou em revoluções completas ou parciais transformando o mundo, muito pelo contrário. Foram acomodados, moderadamente consumistas e, na América Latina, autoritários. Mas eu era muito criança, até tinha alguma consciência da situação política porque minha mãe era professora e meus pais sempre me deram muitos livros. Meu refúgio maior pra essa realidade que começava a ficar mais difícil para minha geração sempre foi o som.
            Fiz meu coroa doar uma maravilhosa Eletrola (que tocava até dez lados de Lps contínuos!) porque ela tinha um pequeno defeito. Por desgaste no potenciômetro do volume ela disparava um som alto de vez em quando. Meu ouvido e nervos sensíveis não suportavam aquela surpresa berrona (quem diria que eu seria um baixista do ritmo mais barulhento que existe...). Os Lps da coleção de minha casa usei como direção de automóvel em minhas brincadeiras – curiosamente nunca aprendi a dirigir – de motorista de táxi. Tal fato fez com que meu pai iniciasse uma coleção de discos nova na próxima vez em que adquiríssemos um som onde iam aparecer muitas das coisas que ouvi quando menino.
            Em um aniversário do Velho, minha mãe sugeriu que comprássemos um novo aparelho. Me lembro de irmos em uma loja que ficava quase no Largo do Medeiros na Rua da Praia chamada de Casa Victor”, onde hoje fica a Livraria Paulinas. Precisávamos escolher algo estéreo, “moderno”, conforme as exigências da época,  que coubesse em nossa renda. Acabamos escolhendo um portátil Phillips, que funcionava a pilha ou ligado na tomada. As caixas acústicas eram destacáveis e serviam de tampa para o prato. Também se separavam uma da outra quando retiradas. Mau ouvido absoluto achava o som pouco grave, mas aquela foi minha primeira nave pra onde viajei pelas galáxias sonoras de meu tempo.
            Me recordo dos discos de orquestra que meu pai adquiria. Frank Pourcel ( ... e um mundo de Melodias nº 21), Paul Mauriat, Ray Conniff, Billy Vaughn, Ferrante & Taicher (dois pianistas), Mantovani (A Lenda da Montanha de Cristal). Mas também tinham os Beatles, Elvis Presley, Elis Regina e muitos discos de Samba, geralmente coletâneas de sucessos da época – “Samba Maior” –, Clara Nunes e Alcione, enfim, bastante ecletismo. Esse foi o meu catecismo de início de vida, doutrina melódica, rítmica e harmônica de uma juventude de encantamento com as ondas mecânicas do barulho. Em seguida, como se eu tivesse me adonado desse universo, passei a adquirir por insistentes pedidos de verbas coletâneas pop da época (1976, 77, 78 ...) como as da K-Tel (In Concert, Music Express, Dynamite ...) e, mais adiante, voltada para o astral “Disco”, a onda que tomou conta do Brasil no fim dos 70 a partir da exibição da Novela “Dancin’ Days” na Globo em 1978-79, como as próprias trilhas de Novelas, alem, é claro da “Discoteca Papagaio”, “Hippopótamus Disco Club”, Disco 78, 79, 80, etc. Toda essa salada de estilos foi influência, além de meu núcleo familiar, de minhas primas, meus amigos, meus colegas de aula.
            Não havia preconceito ainda. A MUZAK comercial que ouvíamos, vejo hoje, era inofensiva, porque era música. Tínhamos o Village People, o Boney M. e o Silver Convention, mas junto tivemos o Revival dos 50 e 60 provocado por novelas de época como “Estúpido Cupido”. Tínhamos variedade e riqueza. Liberdade auditiva e variedade radiofônica, havia a MPB do Chico e Caetano, Milton e Gonzaguinha que crescemos ouvindo, e mais, tínhamos aula de música na Escola. Trocamos nosso portátil por um Phillips estéreo com grandes caixas acústicas (do qual eu ainda reclamava porque meu sonho era ter um Gradiente, a nova mania da época) e depois, mais adiante, por um 3 em 1 – Stéreo Music Center – de marca Sharp, que ainda possuo até hoje.
            Fui parar na banda da Escola Presidente Roosevelt. Maria de Lourdes Porto Alegre, avó do cara aquele que ganhou o BBB (Dourado) me ensinou um pouco de Piano e escaleta e me colocou lá. As bandas de Escolas do Menino Deus eram todas muito boas, como a nossa e a do Duque de Caxias. No Ensino Médio conheci Adriana Calcanhotto através da professora Nélia do Infante Dom Henrique, que a descobriu. Por causa disso (e dos Beatles, claro) aprendi a tocar Violão e contrabaixo. Minha turma ia ao projeto “Unimúsica” da Reitoria da UFRGS, religiosamente a pé, todas às Sextas-feiras. Adolescemos vendo artistas como Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro e Cheiro de Vida se apresentarem em diversos espaços e se tornarem reconhecidos.
            Estou contando tudo isso – e haveria muito mais – pra dizer que a juventude de hoje, em termos musicais, está severamente enrascada. A mediocridade ronda a mente das crianças, desde a tenra idade até a maturidade relativa. Expostos a toda sorte de lixo comercial e industrial – parafraseando Renato Russo – eles estão viciados, desorientados e, virtualmente, perdidos. O jabá, em rádio, tomou conta de tudo, tudo mesmo. E as grandes multinacionais – as mesmas que pagaram pra música sair do currículo escolar – deitam e rolam em tempos de verdades absolutas midiáticas e censura velada. Tanta liberdade pra compartilhar e piratear e os jovens, sinceramente, não sabem o que fazer com isso. O que sobrou pra cultura brasileira são esses pobres repetidores de fórmulas surradas e rasas: sertanejos, pagodeiros e Funk.
            Nada contra as pessoas que vivem dessa cultura de massa “Low Brow”, mas convenhamos, em música, só repetir não é o caminho. Pior, dizer sempre a mesma coisa enche muito o meu saco. Cornice, cornice, cornice. Sofrimento por amor. Violência, vingança e ódio desmedido. Que porcaria é essa que estamos dando pras crianças? É realmente normal ver uma pequena de 2 ou 3 anos rebolando “na boquinha da garrafa” e repetindo “mama eu, mama eu, mama eu”? Onde está a música? Aquela riqueza de instrumentos das orquestras de elevador, riqueza de temas dos sambas da periferia do Rio e SP, a revolução dos anos 60, onde estão? Sumiu tudo com o reverberar tilintante das caixas registradoras dos donos dos meios de comunicação e com a acomodação dos pais que trabalham dia e noite “pra dar uma vida melhor” pros seus filhos que abandonaram na frente do computador ou do vídeo-game muitas horas por dia.
            Mas a música está voltando, pelo menos no currículo escolar. E esse fato enche de esperança quem teve uma infância rica em música e sons que fizeram e encantaram o mundo, e que ainda percebe o poder da mais grandiosa das artes. Rezemos pra que essa (nova) experiência faça renascer a vida do verdadeiro espírito musical, cada vez mais escondido, quase que banido da cultura pop e que, o Brasil, possa se orgulhar em um futuro próximo, de uma geração de grandes talentos, como outrora fez com tantos e não foram poucos. A sorte está lançada e, depende só de nós, educadores.